terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Experimento em animais estimulou mecanismo de reparação do próprio organismo

Pixabay

Para os dentistas, uma cavidade dental é um paradoxo - para restaurar o dente é preciso danificá-lo ainda mais. Normalmente, o jeito comum de tratar a cavidade é escavando a parte danificada e seu entorno antes de preencher o buraco resultante com um material de grande durabilidade como o metal, plástico ou cimento ionômero de vidro.

Como seria se ao invés de perfurar o dente e cobri-lo com material sintético, os dentistas pudessem fazer com que nossas pérolas brancas se regenerassem? Recentemente, Paul Sharpe, um engenheiro biológico na universidade britânica King`s College, em Londres, e seus colegas descobriram uma forma nova de fazer exatamente isso em camundongos. Ano passado eles publicaram um estudo descrevendo suas técnicas inovadoras para a revista Scientific Reports. Desde então, eles progrediram ainda mais, e estão se aproximando de experimentar o procedimento em humanos. Se o tratamento eventualmente se tornar parte das técnicas comuns dos dentistas, os cientistas dizem que a descoberta seria facilmente um dos avanços mais importantes do campo nos últimos 50 anos.

Nossos dentes se danificam o tempo todo. A maior parte das lesões sofridas ocorre devido ao desgaste diário, bem como a atividade de micróbios na boca. Esses organismos cobrem a superfície de cada dente e se alimentam de restos de comidas. Enquanto quebram as partículas de comida, alguns micróbios produzem e secretam ácidos como subprodutos. Essa acidez degrada o esmalte - a camada externa e dura do dente.

Como a pele, os dentes geralmente reparam pequenos acidentes sozinhos. Quando nossos dentes ficam sujos por muito tempo, no entanto, o ácido pode corroer não só o dente mas também começa a dissolver as camadas subjacentes de tecido denso e ósseo, a chamada dentina. Quando a dentina é seriamente danificada, as célula tronco localizadas na camada interior e suave- a polpa dentária- se transformam em células chamadas odontoblastos, que secretam novos tecidos. (As células tronco são capazes de se transformar praticamente em qualquer tipo de célula.) Quando o dano é muito extenso ou profundo, a nova dentina não é suficiente para restaurar o dente. O resultado usualmente é uma cavidade.

Sharpe suspeitava que  conseguiria acelerar muito a habilidade de cura natural do dente ao mobilizar células tronco na polpa dentária. Uma pesquisa prévia demonstrou que o caminho de sinalização Wnt- uma cascata de moléculas específicas envolvidas na comunicação entre as células - é essencial para o reparo do tecido e o desenvolvimento das células-tronco em muitas partes do corpo como a pele, intestinos e cérebro.

Sharpe se perguntou: esse caminho de sinalização poderia também ser importante para o processo de auto-reparação dos dentes? Se sim, talvez ao expor o dente danificado a remédios que estimulam a sinalização Wtn, isso encorajasse de forma similar a atividade das células-tronco na polpa dentária - dando ao dente uma espécie de poder regenerativo normalmente visto apenas em plantas, salamandras e estrelas do mar.

Para testar sua ideia, Sharpe e seus colegas pesquisadores perfuraram buracos nos molares de camundongos imitando as cavidades humanas. Depois eles encharcaram várias esponjas de colágeno (que são feitas com a mesma proteína encontrada no dentin) em várias drogas conhecidas por estimularem a sinalização Wnt, incluindo o tideglusib, um composto que têm sido investigado em testes clínicos devido ao seu potencial de tratar Alzheimer e outras doenças neurológicas. Depois, os cientistas colocaram essas esponjas encharcadas nos molares perfurados dos camundongos, selaram-nos e deixaram o experimento assim por quatro a seis semanas. O dente tratado com essas drogas produziu significativamente mais dentina do que aqueles não tratados ou preenchidos com uma esponja intacta ou com o produto comum usado para complementar os dentes. Na maioria dos casos, a técnica restaurou os dentes dos roedores até voltarem ao seu estado intacto. “Era essencialmente um reparo completo,” diz Sharpe. “Você quase não consegue ver a junção na qual o dente velho e o novo se encontram. Esse eventualmente poderia ser o primeiro tratamento farmacológico de rotina na odontologia.

David Mooney, um professor de bioengenharia da Universidade de Harvard que não estava envolvido no estudo, mas que também investigou novas formas de curar os dentes, diz que está “muito impressionado” com as descobertas. “Isso não é importante apenas cientificamente, também possui vantagens práticas significativas,” ele diz. Adam Celiz, um professor assistente de bioengenharia da universidade britânica Imperial College, de Londres, que também não estava envolvido na pesquisa, diz que esse é um avanço importante no campo emergente da odontologia regenerativa. “Os materiais que os dentistas usam podem sofrer uma revolução,” ele diz.

Qualquer tratamento que requer as células tronco naturais do corpo, ou adiciona novas células tronco ao corpo, no entanto, possui o risco de um crescimento descontrolado do tecido. Terapias com células tronco experimentais e não regulamentadas resultaram em tumores cerebrais, por exemplo, ou ossos que cresceram nas pálpebras. Mas nessa caso, Sharpe diz, a quantidade de drogas usadas é tão pequena que o risco de um crescimento indesejado é mínimo. Celiz concorda que o perigo é pequeno, mas afirma que o teste rigoroso em animais de laboratório e testes clínicos devem ser feitos para excluir possíveis efeitos colaterais.

Desde que publicaram seu estudo inicial, Sharpe e seus colegas testaram suas técnicas regenerativas em ratos. (Porque esses roedores tem um dente mais largo que os dos camundongos, um molar de rato perfurado se parece mais com a cárie do molar humano.) O tratamento funcionou com os ratos assim como tinha funcionado com os camundongos, diz Sharpe, mas os dados ainda não foram publicados. Agora a equipe de Sharpe está investigando um grupo maior de possíveis drogas, para determinar se outros medicamentos podem funcionar melhor do que aqueles que já foram testados, e para determinar a dose ideal. Eles também estão desenvolvendo um sistema alternativo de utilização que é mais ameno para as práticas dentárias: a droga escolhida será dissolvida em um gel que será injetado na cavidade e banhado com luz ultravioleta para se solidificar - um procedimento fácil, rápido e similar ao que os dentistas já utilizam para selar os dentes.

No entanto, para introduzir formalmente esse tratamento na odontologia moderna, os pesquisadores precisarão fazer testes clínicos com pacientes humanos. Tal trabalho irá demorar pelo menos alguns anos para acontecer, diz Sharpe. No entanto, ele espera que algumas drogas que ele considera praticamente aprovadas para o uso em humanos, podem acelerar o processo para uma eventual aprovação. “Muitos tratamentos dentais são primitivos,” Sharpe diz. “‘É o momento de seguir em frente.”

Ferris Jabr

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