domingo, 31 de maio de 2020

A era do “política não se discute” acabou – e você precisa aprender a lidar com isso

Para especialista, ainda precisamos evoluir muito, sobretudo quando se trata da qualidade da discussão em termos de conteúdo e diálogo

SÃO PAULO – Durante muito tempo vivemos na era do “Política é que nem futebol e religião: não se discute”. No entanto, estudiosos acreditam que esse período está acabando. Com o cenário de crise econômica que o Brasil vem enfrentando, as pessoas já entendem que a discussão sobre política é muito relevante. O problema é que ainda falta tolerância. 

É o que diz o cientista político Humberto Dantas, que acredita que as pessoas estão cada vez menos tolerantes. Pior ainda, discutem política em ambientes em que os níveis de tolerância são menores que a média: as redes sociais. Ele diz que, na internet, a distância permite que as pessoas discutam de forma mais agressiva sem se preocupar com as consequências. 

Além disso, ele diz que falta conhecimento sobre o que é política. “Não aprendemos na escola, não temos nenhum contato com conteúdo político na vida. Estamos colhendo o que plantamos”, afirma.

Hoje se discute mais, porém ainda precisamos evoluir muito sobretudo quando se trata da qualidade da discussão em termos de conteúdo e diálogo, segundo Dantas. 

Para Vitor Oliveira, cientista político e diretor da Pulso Público, na prática hoje falamos muito sobre política, mais do que antes, mas não discutimos. “A política não pode ser tabu, e por outro lado não pode ser um cabo de guerra”, diz. Isso porque as discussões estão vazias, todos querem apresentar seu argumento sem ouvir ou considerar o que o outro está falando. “Precisamos discutir com acordo de procedimentos. Isso é democracia, entender e concordar que podemos discordar”, diz.

Segundo ele, historicamente, faz muito pouco tempo que conseguimos revezar o poder sem matar a pessoa que ocupava o cargo anteriormente. “Não é uma coisa trivial. Ninguém ignora mais política, todo mundo sabe que é relevante. Ninguém negligência a política, mas a melhor forma de discutir para evoluir ainda não encontramos”, complementa Oliveira.   

Segundo dados da Justiça Eleitoral, o Brasil tem quase 150 milhões de eleitores. Mas, enquanto somos, numericamente, muitos votantes, especialistas acreditam que falta qualidade no debate eleitoral. 

Oliveira acredita que essa quantidade de pessoas votando já é um avanço para a democracia. Ainda assim, “ninguém tem a capacidade que julga ter para escolher um candidato. Não temos condição cognitiva de acompanhar todos os processos que acontecem na política. Usamos atalhos informacionais para tomar decisões”, explica. 

Para Dantas, o país vive o mesmo desafio em relação à democracia que enfrentou com a educação. “Até os anos 90 dizíamos que tinha muita criança fora da escola, e por isso criamos lei de responsabilidade fiscal, criamos políticas públicas para colocar mais pessoas dentro do ensino e uma série de outras coisas. Atingimos percentuais expressivos – mas a discussão hoje é que falta qualidade dentro das escolas”, diz. É a mesma coisa com a democracia representativa. “Temos muita gente inscrita na justiça eleitoral, mas poucos votam com consciência. Falta qualidade para que o processo seja bem feito”, explica.

A questão é que todo mundo acha que seu voto foi bem aplicado e o dos outros, não. “Devemos questionar então: será que não é democrático que caminhemos para o fracasso se assim for decidido nas eleições? É de todo ruim? Talvez aprendêssemos mais”, diz Oliveira. 

Por isso, diz Dantas, a educação politica de longo prazo é a melhor solução. “Todo mundo fala e precisamos realmente fazer: dar educação, desmascarar as lendas, como ‘política não se discute’, para que as pessoas se envolvam mais. É um processo que vem com o tempo – criar cidadãos mais participativos”, afirma. Para Oliveira, a educação política fornece um instrumento possível para votar melhor, mas não existe uma fórmula melhor do que chamar todo mundo para votar. 

Educação política para os líderes 

Logicamente, a política é importante para qualquer cidadão. Para líderes de empresas, então, é fundamental. Isto porque, além de representarem mais de um cidadão, essas pessoas representam interesses econômicos e suas respectivas corporações. “A postura e o comportamento político desses sujeitos tendem a ser misturadas intencional ou equivocadamente com o papel que as empresas têm na sociedade. Gestores, líderes são agentes mais sensíveis e devem tomar cuidados. Devem procurar mais conhecimento acerca da política”, afirma Dantas. 

Parte da população entende a política como algo distante, desconhecido, corrupto e acredita que só político pode mexer com esse conteúdo. “Precisamos convencer o empresário dessa ideia, para que, então, as pessoas entendam isso. A política não é suja”, completa o cientista político coordenador do CLP. 

Considerando o ambiente de eleições, que já é uma realidade, os empresários e líderes emprestam seu prestígio e força para os candidatos em que acreditam, por mais que não seja diretamente. “E ter apoio do empresariado ainda é importante para quem está concorrendo. O problema é que temos lacuna na formação política”, afirma Oliveira. 

Suas ações, comportamentos e falas costumam causar mais impacto que as de um cidadão comum – então é preciso ter cuidado. “Grandes empresas contratam especialistas em políticas para capacitar suas lideranças, entender melhor do tema. É nítido que muitas companhias perceberam ao longo dos últimos 15 anos a importância de se educar politicamente, de aprimorar a democracia por meio da educação”, afirma Dantas, que é coordenador da pós do Centro de Liderança Pública (CLP). O centro tem foco na construção de líderes públicos para que sejam orientados com educação política e possam atuar da melhor maneira possível.  

A empresa de laticínios Tirolez oferece, desde maio, a todos os seus funcionários, um programa de educação política. Ele tem por objetivo ajudar no desenvolvimento dos funcionários como cidadãos ativos. As aulas são dadas pelo professor Bruno Souza da Silva, doutorando em ciência política pela Unicamp. 

Cícero Hegg, um dos fundadores da Tirolez, conta que a empresa iniciou o programa de desenvolvimento da cidadania em 2002. “Em 2018, por se tratar de um ano eleitoral e pelo fato de o Brasil estar vivendo uma sequência de anos turbulentos, percebemos que a gente precisava fazer uma coisa mais encorpada. Aí decidimos retomar o trabalho com aulas presenciais e a participação mais ativa dos colaboradores. Esta é intenção: trabalhar a cidadania, a democracia, o Estado, princípios e valores”, explica.

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Nem sempre os empresários enxergam todos os riscos porque a tendência é que olhem de forma segmentada para o efeito político que vai ou não afetar seu negócio. “Por vezes, têm a incapacidade de enxergar os riscos, justamente porque focam apenas nos detalhes informacionais pró ou contra mercado, sem olhar os riscos institucionais, que são os de longo prazo”, afirma Oliveira. Os líderes de grandes empresas precisam de um ambiente político estável a longo prazo para chamar a atenção do investimento estrangeiro. Estabilidade é sinônimo de segurança jurídica e segurança institucional, segundo o cientista político. 

Oliveira lembra que o sistema político é realmente complexo. “O Impeachment, por exemplo: quanto tiro um representante que não gosto e coloco outro, não significa que as engrenagens vão mudar. Trocar um peça não significa mudar o sistema”, diz. “Outro exemplo, o Alckmin conseguir a aliança com o chamado centrão já faz as pessoas acharem que a economia vai crescer, mas não necessariamente isso vai acontecer”, complementa Oliveira.

Além disso, ele explica que temos dificuldade de compreender o cenário político brasileiro, que inclui desde o que é o ‘governo representativo’ até entender que se o candidato que eu gosto for eleito não significa que ele vai fazer o que ele fazer o que ele prometeu. Isso vale para todos.  

Política no trabalho

A forma como líderes empresariais lidam com a política mudam o ambiente de trabalho como um todo. Essas aulas de educação política são importantes justamente para auxiliar os líderes e funcionários em geral a saberem lidar com o tema durante o expediente – ainda mais em época de eleições. 

Segundo Raphael Falcão, diretor recrutadora de alta e média gerência Hays, é cada vez mais importante falar e entender sobre política no âmbito do trabalho – e o tema deve ser usado como ferramenta para auxiliar nas tomadas de decisão. 

Ele explica que, se as pessoas estão falando mais em política, é importante que o assunto seja abordado dentro do ambiente corporativo – desde que focando em melhorias para o negócio. “O executivo usar informações políticas para tomar boas decisões de negócio ou conhecer o meio político para ver como esse partido ou candidato afeta seu negócio é interessante e saudável, mas desenvolver muitas discussões dentro do ambiente corporativo passando para suas opiniões pessoais não é necessário”, explica Falcão. 

Para ele, todo profissional deve saber separar sua opinião pessoal do trabalho. “As grandes empresas deveriam ser laicas, geralmente a empresa não quer ser vinculada a um partido ou a um candidato porque quer ter papel isento. Por isso, o profissional não deve também expressar suas opiniões políticas pessoais durante o expediente, se não for com o objetivo de auxiliar nas suas tarefas”, orienta. 

 A recomendação do especialista em RH é sempre pensar em como a política afeta seu trabalho e não se limitar a ficar discutindo com os colegas o candidato que acha melhor ou pior. “Sempre vale pensar ‘qual o impacto na minha indústria se essa candidato ganhar?'”. Tentar separar e avaliar as questões tangentes ao negócio que você está em relação à política”, afirma Falcão. 

sábado, 30 de maio de 2020

Presidentes dos 27 TJs apoiam STF: não há espaço para retrocessos

Supremo tem sofrido ataques do presidente Jair Bolsonaro e de aliados e simpatizantes do chefe do Executivo

Sáb, 30/05/20 - 10h01

O Colégio de Presidentes de Tribunais de Justiça do Brasil manifestou "integral apoio" ao Supremo Tribunal Federal (STF), alvo de ataques do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), parlamentares bolsonaristas e simpatizantes do chefe do Executivo.

Em ofício enviado nesta sexta-feira (29) ao presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, o colegiado ressalta que "não há espaço para retrocessos, ainda que ataques pontuais neste momento delicado para as instituições brasileiras tentem desestabilizar a tão sonhada consolidação da nossa democracia".

A nota é assinada pelos 27 presidentes dos Tribunais de Justiça do país.

"Não há outra palavra para definir o Poder Judiciário brasileiro neste momento, que não a união", afirma o documento.

"União entre todos os tribunais, que respeitam a harmonia e independência entre os Poderes – sistema de freios e contrapesos previstos em nossa Carta Magna – mas que também ressalta a necessidade de respeito à autonomia da magistratura, no desempenho de suas funções constitucionais."

Alvo de um inquérito conduzido pelo STF que apura se o presidente tentou interferir politicamente na Polícia Federal, Bolsonaro vem subindo o tom contra a corte nesta semana após uma operação autorizada pelo Supremo que cumpriu 29 mandados de busca e apreensão no chamado inquérito das fake news, que apura ofensas, ataques e ameaças contra ministros da corte.

Políticos, empresários e ativistas bolsonaristas estão entre os alvos da investigação.

Bolsonaro já vinha irritado com o STF por causa da decisão do decano Celso de Mello de tornar público o vídeo da reunião ministerial realizada em abril e com o fato de o ministro ter, como medida de praxe, encaminhado à Procuradoria Geral da República (PGR), pedidos de partidos e parlamentares de oposição para que o celular de Bolsonaro fosse apreendido.

Nesta quinta-feira (28), um dia após a operação policial, o presidente criticou a investigação e disparou novas queixas contra o STF.

"Não teremos outro dia como ontem [quarta-feira], chega", disse, na saída do Palácio da Alvorada. Bolsonaro afirmou ter em mãos as "armas da democracia", e disse que "ordens absurdas não se cumprem" e que "temos que botar limites".

Temendo uma "crise sem precedentes", o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), foi ao Palácio do Planalto nesta quinta-feira tentar pacificar a relação do chefe do Executivo com o STF.

Pacificação

Diante da crescente apreensão, Alcolumbre conversou com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com ministros do STF e parlamentares e se colocou como bombeiro para tentar conter um estrago maior.

Segundo relatos feitos à "Folha", o senador disse que era preciso calma e responsabilidade. Alegou que o Congresso estava sendo responsável, mas que era preciso o mesmo do Executivo e do Judiciário. Bolsonaro reclamou, então, do que considera excessos do Supremo.

Alcolumbre insistiu na necessidade de pacificação para evitar uma crise sem precedentes, observação à qual, de acordo com presentes, Bolsonaro reagiu em silêncio.

quinta-feira, 28 de maio de 2020

Caso George Floyd: morte de homem negro filmado com policial branco com joelhos em seu pescoço causa indignação nos EUA

FBI investiga morte em Minneapolis; vídeo filmado por testemunha mostra George Floyd, de 40 anos, imobilizado no chão, dizendo 'não consigo respirar', enquanto policial mantém joelho sobre seu pescoço.

27 mai 2020 08h41 - atualizado às 09h18
Vídeo foi publicado nas redes sociais na manhã de terça-feira
Foto: Darnella Frazier / BBC News Brasil

Nas imagens, colhidas na segunda-feira (25), o homem, identificado como George Floyd, de 40 anos, reclama e diz repetidamente: "Não consigo respirar".

Pouco depois, ele parece não se mexer, antes de ser colocado em uma maca e transferido para uma ambulância.

O episódio lembra o que aconteceu com Eric Garner, um negro que morreu ao ser preso em 2014 em Nova YorkGarner repetiu "Não consigo respirar" 11 vezes.

FBI juntou-se à investigação dos eventos, informou o Departamento de Polícia de Minneapolis (MPD, na sigla em inglês) em comunicado na terça-feira.

Além disso, o prefeito de MinneapolisJacob Frey, disse no Twitter na segunda-feira que "quatro policiais do MPD envolvidos na morte de George Floyd foram demitidos".

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O que aconteceu?

A polícia local disse em comunicado que Floyd morreu "após um incidente médico durante uma interação policial".

A polícia estava respondendo a uma chamada dizendo que um homem tentava usar cartões falsos em uma loja de conveniência.

Manifestantes realizaram protesto na porta de delegacia de distrito em Minneapolis em que ocorreu morte de George Floyd

Manifestantes realizaram protesto na porta de delegacia de distrito em Minneapolis em que ocorreu morte de George Floyd
Foto: Stephen Maturen/Getty Images / BBC News Brasil

Dois policiais localizaram o suspeito em um veículo. Segundo eles, ele "parecia estar intoxicado". Eles ordenaram que saísse do veículo, mas o homem resistiu, segundo a versão da polícia.

"Os policiais conseguiram algemar o suspeito e notaram que ele parecia estar sofrendo de problemas médicos", acrescentou o comunicado.

No vídeo de 10 minutos filmado por uma testemunha, um policial mantém Floyd no chão, que, a certa altura, diz: "Não me mate".

Testemunhas pedem ao policial que retire o joelho do pescoço do homem, observando que ele não estava se mexendo. Alguns dizem que "seu nariz está sangrando", enquanto outro pede: "Saia do pescoço dele".

O prefeito de Minneapolis descreveu o incidente como ´completa e absolutamente desastroso´.

O prefeito de Minneapolis descreveu o incidente como ´completa e absolutamente desastroso´.
Foto: AFP/Getty Images / BBC News Brasil

A polícia disse que nenhuma arma foi usada durante o episódio e que as imagens das câmeras foram enviadas para o Departamento de Execução Penal de Minnesota, que também iniciou uma investigação.

Em declarações à imprensa norte-americana na terça-feira, a chefe da polícia de MinneapolisMedaria Arradondo, disse que a política de uso da força "para colocar alguém sob controle" será revisada.

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FBI não comentou o caso.

'Não consigo respirar'

A frase "não consigo respirar", repetida por Eric Garner em 2014 antes de morrer, tornou-se um grito de guerra para ativistas que protestam contra brutalidade policial contra negros.

Garner, um negro desarmado, disse a frase 11 vezes após ser detido pela polícia por suspeita de vender ilegalmente cigarros soltos.

Foram as palavras finais do homem de 43 anos, depois que um policial aplicou uma chave de estrangulamento nele.

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Um médico legista da cidade apontou que o estrangulamento contribuiu para a morte de Garner. O policial envolvido na prisão mortal de Garner foi demitido mais de cinco anos depois, em agosto de 2019.

Em entrevista coletiva na terça-feira, o prefeito descreveu o incidente como "completa e absolutamente desastroso".

"Acredito no que vi e o que vi está errado em todos os níveis", disse Frey. "Ser negro nos EUA não deveria ser uma sentença de morte."

Polícia usou bombas de gás lacrimogênio contra manifestantes na terça-feira, em Minneapolis, que protestaram contra morte de George Floyd

Polícia usou bombas de gás lacrimogênio contra manifestantes na terça-feira, em Minneapolis, que protestaram contra morte de George Floyd
Foto: Stephen Maturen/Getty Images / BBC News Brasil

A senadora do Minnesota Amy Klobuchar, que foi pré-candidata presidencial democrata nas primárias, divulgou um comunicado pedindo uma "investigação externa completa e abrangente".

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"Justiça deve ser feita por esse homem e sua família, justiça por nossa comunidade, justiça por nosso país", afirmou.

PGR pede suspensão de inquérito das fake news

27 mai 2020 15h32 - atualizado às 15h51

O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu nesta quarta-feira a suspensão do inquérito das fake news até o julgamento de uma ação pelo Supremo Tribunal Federal que questiona o seu trâmite, horas após a Polícia Federal ter realizado uma série de diligências contra bolsonaristas por ordem do ministro do STF Alexandre de Moraes.

Augusto Aras, procurador-geral da República 26/09/2019 REUTERS/Adriano Machado
Foto: Reuters

Em manifestação enviada a uma ação movida pela Rede que tramita no Supremo, Aras contesta o fato de a Procuradoria-Geral da República não ter direito a se manifestar nos autos desse inquérito.

"Neste dia 27 de maio, contudo, a Procuradoria-Geral da República viu-se surpreendida com notícias na grande mídia de terem sido determinadas dezenas de buscas e apreensões e outras diligências, contra ao menos 29 pessoas, sem a participação, supervisão ou anuência prévia do órgão de persecução penal que é, ao fim, destinatário dos elementos de prova na fase inquisitorial", contestou o procurador-geral.